Por Daniel Soares.
Ontem morreu mais uma pessoa querida. Já haviam nos deixado o Tio David e o Seo Hélio. Ontem foi a Carla.
Tio David, caridoso, visitou meu pai em todos os dias de sua longa doença, levando, com Tia Vera, um pouco de consolo naqueles longos dias de dor.
Seo Hélio entendia e perdoava todas as idiotices que seus filhos e nós, o bando de adolescentes que frequentávamos diariamente a garagem de sua casa, fazíamos.
A doença nos mata, mas é a ignorância que nos condena à morte.
Carla era minha amiga de infância, e nossas famílias eram muito ligadas; viajavam, as duas famílias, juntas, passávamos finais de semana juntos, e nos chamávamos por tios, tias, primos e primas.
Mais mortes virão. Mais pessoas queridas deixarão de estar entre nós, e habitarão nossas memórias em uma nuvem de lembranças felizes e dores atrozes.
A doença nos mata, mas é a ignorância que nos condena à morte. Nas poucas vezes que saio de casa para comprar comida ou ir ao apartamento da Mara, trajetos curtos e rápidos, me canso de horrorizar-me com as pessoas sem máscaras, a passear sem objetivo que não o de fazer destas saídas sem máscara uma manifestação política.
Passo ao lado da padaria e vejo homens de meia idade comendo salgados e bebendo cerveja. Meu ouvido recebe fragmentos de suas conversas, e nestes ressalta a palavra sagrada: a Economia.
Em qualquer sociedade relativamente sã, a Economia, como qualquer ciência, serve à Humanidade, tanto no sentido de servir à espécie quanto no sentido de se submeter à ética.
O discurso da ignorância continua a pedir – pedir, não, ordenar! - a abertura de tudo a todos em nome da Economia. A sagrada Economia que agora se transforma, neste discurso lotado de ignorância e frustração, em entidade superior à vida.
Em qualquer sociedade relativamente sã, a Economia, como qualquer ciência, serve à Humanidade, tanto no sentido de servir à espécie quanto no sentido de se submeter à ética. Mas não! Nestes tempos de ignorância e irracionalidade, o que se percebe neste discurso é a expectativa, talvez desejo, de que morram os velhos, que morram os índios, que morram os miseráveis, que morram os mendigos, que morram os fracos, que morram os desvalidos, que morram todos, que não eu, e que não se diminua aquilo que é meu.
Em qualquer sociedade relativamente sã, a Economia, como qualquer ciência, serve à Humanidade, tanto no sentido de servir à espécie quanto no sentido de se submeter à ética.
O Estado não pode se endividar! E o Capital não pode diminuir! Este é o brado que se ouve. Morram! É como soa. Já soava antes mesmo do vírus. Já era uma praga mesmo antes dos vírus. É uma praga que nos oprime, nos reprime e nos deprime. Como sociedade, hoje somos menos que ontem.
Há uma frase que já ouvi várias vezes: as crises aceleram tendências. A nuvem de gafanhotos já estava aí, a devastar uma seara feita em terra árida.
Pensávamos que poderia haver, um dia, colheita.
Daniel Soares está deprimido.
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