Por Fernando Coelho.
“Minha avó é VELHA.
Bonde é VELHO.
Logo minha AVÓ é um BONDE !”
Pois é... tive contato com esse sofisma através de um professor de cursinho na minha longínqua juventude... nunca imaginaria que essa prática de raciocínio, em sintagmas, se revelaria tão presente na base fulcral, crescente, na lógica dos meus semelhantes, nos anos que viriam a se somar para perfazer este período que chamo de “minha vida”.
Estamos, neste momento, perigosamente imersos em um desses momentos cataclísmicos, cuja lógica viciada pelos sintagmas desonestamente produzidos e distribuídos, nos conduz em círculos, em uma armadilha mental rodopiante e desastrosa.
Aqui está o sintagma, o perverso sofismo :
- Minha Avó > é a Pandemia – a Pandemia mata.
- O Bonde > é a Economia – A crise econômica mata.
- Logo a Pandemia MATA como a crise Econômica.
Só que não...
Não são sequer do mesmo reino.
Pandemia >> vírus >> Natureza
Economia >> conceito abstrato artificial >> Cognição Inventiva Sapiens
Pandemia é pandemia.
Economia é economia.
...e minha avó, o vírus e o bonde, ainda que atores no mesmo local e no mesmo tempo, NADA tem a ver um com o outro.
Então vamos lá... A pandemia é um evento totalmente natural, que segue somente as regras da natureza e tem uma dinâmica que só poderá ser conhecida pelas práticas da ciência.
Para curar-nos da pandemia viral vamos precisar de muita ciência biomédica e epidemiológica.
Do outro lado, para curar a economia, vamos precisar tão somente de inteligência engenhosa para aperfeiçoar essa nossa invenção para que possa também se resolver nesse momento.
Por serem de naturezas distintas, não precisamos matar um para ter o outro, ou matar o outro para ter o um.
A economia, é uma fabricação abstrata, uma artificialidade, um contrato coletivo, um processo, um modo de operar, CRIADO pelo ser humano.
Eu, você, o Toninho padeiro, a Zulmira costureira, o Trump e o chefe tribal dos Inuit do Norte, todos, ACREDITAMOS que coisas como Dollar, Euro, Yuan, Yen, Rublos, Real, Bitcoin, etc, tem de fato “valor”.
Como todas as criações do ser humano a economia vem vivenciando um sem número de transformações, iniciadas desde nossos tempos de caçadores, praticando formas rudimentares de comércio, trocando peles de animais por lanças artesanais de bambu longo, até o presente momento, no qual uma moeda inexistente chamada “BitCoin” reúne uma capitalização superior a US$ 162 B.
A “Economia” vem percorrendo uma trajetória conceitual longa, sofisticada e evolutiva.
Trata-se de uma complexa rede de produção e trocas na qual os humanos organizam e posicionam suas posses, mensuradas, comercializadas e armazenadas com a utilização da ferramenta “moeda”, é, essencialmente, uma abstração que se suporta pela coletiva crença (ou “acordo” se você preferir) de que a produção e as trocas tem “valor” e que esse “valor” pode ser expresso através de um numerário manifestado como “moeda”.
Esse entendimento é tão verdadeiro que conseguimos enxergar esse pensamento escondido em nossas palavras. “Dinheiro” é um vocábulo que vem do latim “Denarius”, que derivou/deriva para, e, do, árabe e aramaico como “Dinar” (que ainda é o nome da moeda na Jordânia e no Iraque). “Dinar”, em tempos Bíblicos, era a designação de valor que se pagava a alguém por um dia de trabalho, ou seja, uma “Diária”.
Todo esse universo é tão poderoso, e já evoluiu tanto, que, de valer uma peça de ouro, a valer um dia de trabalho, a valer um montante de câmbio em divisa “forte”, chegamos aos nossos tempos, quando a totalidade das moedas mundiais são flutuantes, sem quaisquer lastros físicos, desde que Nixon flutuou o Dollar em 1971.
O acordo de Bretton Woods foi a última canção do cisne da moeda lastreada em metal.
Ou seja, eu, você, o Toninho padeiro, a Zulmira costureira, o Trump e o chefe tribal dos Inuit do Norte, todos, ACREDITAMOS que coisas como Dollar, Euro, Yuan, Yen, Rublos, Real, Bitcoin, etc, tem de fato “valor” e podem cumprir os papéis de troca (“fiat”) e armazenamento, a despeito de nenhuma dessas entidades estarem vinculadas a alguma riqueza material, física, real.
É bem DIFERENTE de um vírus, não é mesmo ?
Então, enquanto nossos galantes cientistas labutam dia e noite na busca de soluções científicas para a pandemia, precisamos nos voltar para o laboratório econômico e refinar essa nossa invenção para nos salvar da crise econômica, e nos ajudar a manter os marcos civilizatórios relevantes da modernidade.
E aqui sigo com minha sugestão, que chamarei de “Plano LEAL”, por buscar ser “leal” ao projeto de valor que todos nós estávamos buscando quando a pandemia viral se abateu sobre nós.
O PLANO LEAL :
O cerne deste plano se inspira no trabalho de um nazista esquecido do grande público (ainda que muito estudado pelos economistas). Falo de Hjalmar Schacht.
Hjalmar Schacht foi o inteligente, engenhoso e articulado banqueiro que em uma virada de destino tornou-se chefe do Banco Central Alemão, em 1923, no meio da pior hiperinflação jamais vivida naquele continente. Foi convidado pelo chanceler Gustav Stressemann com a missão de interromper o processo hiperinflacionário que estava em curso.
Schacht trancou-se em seu escritório por uma semana pensando intensamente em como resolver esse insuperável problema. Nesse breve intervalo ele conseguiu vislumbrar uma mecânica genial e resolveu colocá-la em prática. A ideia foi estabelecer uma segunda moeda na Alemanha, chamada “RentenMark” (no Brasil conhecida como “Marco Compensado”), que por estar paralela e desassociada do “DeutschMark” e ser “lastreada” em um suposto conjunto de todas as hipotecas de propriedades na Alemanha, sem vínculo com os compromissos das contas públicas do governo, podia manter seu valor sustentado de forma estável e progressivamente estabilizar os valores de trocas no país. O sucesso dessa estratégia foi imenso e em breves 6 meses a hiperinflação alemã estava sob controle.
O sucesso econômico do feito de Hjalmar em 1923 reverbera até hoje nos círculos econômicos de políticas públicas. O mecanismo bolado por ele foi utilizado em diversos momentos em vários países inclusive no Brasil, com o Plano Real.
Schacht, muito prestigiado, acabou permanecendo no governo e depois veio a apoiar Hitler, tornando-se membro do partido nazista. Participou do governo do infame Adolph, até que ficou desiludido e juntou-se a uma conspiração para derrubá-lo. Foi descoberto e preso. Por razões inexplicáveis Hitler tinha alguma admiração por Schacht, pois poupou-lhe a vida e ele foi um dos únicos (senão o único) a não ser executado nesse evento. Sobreviveu à guerra e morreu pacificamente com 93 anos de idade em 1970.
O sucesso econômico do feito de Hjalmar em 1923 reverbera até hoje nos círculos econômicos de políticas públicas. O mecanismo bolado por ele foi utilizado em diversos momentos em vários países inclusive no Brasil, com o Plano Real, que teve a URV (unidade real de valor, lastreada no Dollar), como “moeda paralela” de estabilização.
Uma versão modificada (e até mesmo pouco honesta) dessa abordagem foi disparada pelos americanos no chamado “Plano Marshall”, que imprimiu Dollar sem lastro para financiar a reconstrução da Europa, criando o que veio a ser conhecido como “Eurodollars”, que depois das crises do petróleo dos anos 70, tornaram-se “Petrodollars”.
Pois bem... meu Plano Leal segue a linha de uma moeda paralela de recomposição da liquidez, estabilização e investimento.
O PLANO LEAL:
O plano Leal consiste na emissão de uma nova moeda denominada “Leal”, com valor idêntico ao “Real”.
O volume de emissão deverá ser cerca do dobro do valor destruído pela crise da pandemia. Algo na ordem de 20% do PIB.
Esse valor seria DISTRIBUÍDO (dado, fundo perdido) para todas as pessoas físicas e pessoas jurídicas (limitadas ao tamanho até R$ 100M faturamento/ano), no montante equivalente à 50% do valor médio de receitas brutas por ano dos últimos 3 anos (2017/18/19).
A distribuição do L$ Leal seria automática e independente do status financeiro em R$ Real de cada recipiente no momento do depósito. Ou seja, não há qualquer contrapartida em R$ Real de qualquer tipo atribuída ao recipiente, nem tão pouco altera-se a vida em R$ do recipiente, qualquer que essa seja.
Simplesmente recebe-se um montante em L$ Leais equivalente à média de 6 meses de ingressos baseado na média dos últimos 3 anos.
Ou seja, se um cidadão recebeu ao longo desses anos uma média de R$ 120.000,oo por ano, então esse cidadão teria direito à L$ 60.000,oo (Leais). Caso fosse uma empresa com faturamento inferior à $100M, com média de, digamos, R$ 40M por ano, essa receberia L$ 20M.
O L$ (Leal) NÃO seria distribuído à entidades públicas (União, Estados e Municípios, Autarquias, Estatais e afins), ainda que essas receberiam L$ normalmente como meio de pagamento de tributos, taxas, contribuições e emolumentos, convertendo-os em “REAL” à paridade devida na data.
E aqui estão os detalhes centrais e relevantes das regras para a moeda “LEAL”:
- O “LEAL” teria validade de 10 anos. Depois de 10 anos seria extinto.
- O “LEAL” teria por lei equivalência garantida ao REAL, na base de 1 para 1, soberano para quitar pagamentos públicos e privados, honrar contratos, financiamentos, pagar salários e impostos e toda a troca em território nacional, por 2 anos.
- Após 2 anos, o “LEAL” iniciaria uma lenta desvalorização frente ao REAL, de cerca de 1% ao mês, por 8 anos, até valer ZERO no último dia do décimo ano de sua existência.
- Após o segundo ano, a despeito da desvalorização oficial mensal, seria permitido livre negociação de seu valor no ambiente privado.
- As instâncias públicas (Governos Federal, Estaduais e Municipais) permaneceriam contabilizando suas contas públicas normalmente em REAL e sempre que recebessem arrecadações pagas pelo público em “LEAL”, converteriam o montante em “REAL” para força de lançamento contábil, mantendo todas suas atuais obrigações e compromissos de responsabilidade fiscal.
VISÃO :
Um plano com esses contornos permitiria a reconstrução da liquidez distribuída e da economia, SEM destruição das contas públicas, sem endividamento público paralisante.
Vale registrar que o modo de se implementar um projeto dessa natureza seria naturalmente DIGITAL e SEM qualquer tipo de “controle” do Governo.
O sentido de “valor” da moeda L$ Leal seria transferido para o “tempo” (10 anos), dissipando nesse período o prejuízo causado pela pandemia, obrigatoriamente assegurando que a economia gravitasse normalmente e previsivelmente de volta para o leito central da moeda vigente, o R$ REAL, acomodando nesse tempo a saúde “normal” de nosso ambiente econômico.
Esse modelo é adequadamente sustentado pelo conceito de “Força Maior” que está bem amparado no entendimento legal civilizado. Ou seja, essa providência não é “casuística” e voluntariosa e sim um ato de reação tempestiva à um evento natural imprevisível e cataclismático.
Vale registrar que o modo de se implementar um projeto dessa natureza seria naturalmente DIGITAL e SEM qualquer tipo de “controle” do Governo. Ou seja, a emissão de L$ Leais seria registrada em “blockchain”, automatizada por computadores realizando cálculos nos registros do sistema financeiro nacional, que, ao fazer as contas que proponho acima, determinaria o EXATO valor a ser depositado em cada CPF e cada CNPJ (abaixo de R$100M/ano), gerando um token crypto e blockchaineado por transação, sem QUALQUER possibilidade de intervenção política, do tipo corrupto tão comum em Brasília. Ou seja, seria impossível para o “amigo” do “amigo” do Senador tal e qual dar um “jeitinho” para o CPF da amante receber mais do que o cálculo estipularia, nem tão pouco seria possível “armar” artificialmente maneiras de se ganhar mais, pois os cálculos seriam feitos sobre registros existentes e fixados dos últimos 3 anos.
O processo político, qualquer que seja esse, estaria intocado e seguiria seu rumo natural da sociedade Brasileira, pois o L$ Leal apenas estabilizaria o Brasil “normal” para sua continuidade histórica, projetando as condições que existiam antes da pandemia, repondo apenas o “buraco” criado por 6 meses de impacto e disfunção econômica.
Por outro lado, se executado agora, como deveria ser, fortaleceria um Presidente incumbente que está demasiadamente desafiado pelo seu entorno social e político. Pouco provável que o atual ‘sistema’ político se interessasse em prover esse benefício a este ator. Entretanto o horizonte da política federal está tão dinâmico que a hipótese de um governante novo, oriundo da vice presidência, assumir, por ausência do titular, devido à impedimento ou afastamento voluntário, criaria um cenário que poderia favorecer a adoção de uma política dessa natureza.
Considerações Finais :
Sou apenas um físico de bairro. Não sou economista. Mas como arguto observador de nossos tempos e um ávido tecnocrata, pingo aqui minha humilde contribuição para buscar uma solução extraordinária para um momento extraordinário, com ferramentas existentes e baratas. Tomara que pessoas de poder gostem !
Minha avó continuará velhinha e se cuidando muito para não pegar o vírus.
O bonde, igualmente velho, receberá novos investimentos e será renovado dentro de uma economia robusta e ativa, dando empregos e provendo transporte, no qual minha avó poderá ir até a feira comprar mamão, com moeda de troca.
...e minha avó, o vírus e o bonde, ainda que atores no mesmo local e no mesmo tempo, NADA tem a ver um com o outro.
Pandemia é pandemia.
Economia é economia.
A cada qual seus respectivos desafios e soluções.
Fernando Coelho é cineasta e físico de bairro
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