Por Augusto de Almeida
Podemos e devemos discutir, mas não sem iniciar a discussão pelo porquê de se querer mudar: pretende-se igualar a situação dos trabalhadores brasileiros à dos trabalhadores australianos ou à dos vietnamitas?
Tenho visto algumas pessoas que até pouco tempo atrás diziam "fora com todos os ladrões, independentemente de a qual partido pertencem" manifestarem-se agora, embora ainda de forma débil, a favor da permanência de Temer, alegando que o interesse nacional - por causa de reformas que dizem indispensáveis para a salvação nacional, e que não poderiam correr o risco de interrupção - deveria se sobrepor a desvios de conduta ainda a serem apurados.
Retiraram o "financeiro" do "mercado financeiro" para passar a falsa imagem de que o "mercado" é composto por todos nós. Não é.
Fica até difícil achar o fio por onde se deveria começar esta discussão. Talvez o início deva ser por definir o que é o interesse nacional, que parece ter sido atrelado a um outro conceito diáfano: o "mercado". Só para lembrar, "mercado" é uma simplificação retórica do que no começo chamavam por "mercado financeiro". Retiraram o "financeiro" do "mercado financeiro" para passar a falsa imagem de que o "mercado" é composto por todos nós. Não é.
O mercado financeiro é a movimentação de dinheiro entre os grandes operadores de capital, comprando e vendendo valores como pedaços de empresas, títulos de dívida pública e moedas. Por mais que estas operações, muitas especulativas, reflitam profundamente no dia a dia da população do país, nós não fazemos parte deste mercado. Logo, o interesse nacional não é necessariamente igual ao interesse do "mercado", e muitas vezes são interesses divergentes.
Não sou, por princípio, contra reformas, mas sou veementemente contrário a reformas feitas a toque de caixa, sem reflexão, e propostas sem a discussão com os representantes da sociedade - e não vejo, absolutamente, a sociedade representada no Congresso Nacional, por causa do sistema de coligações eleitorais, do quociente eleitoral, do financiamento privado de campanhas, e das relações espúrias entre estado e empresas, mais que comprovadas nos últimos escândalos.
Querem fazer reformas, ok, mas comecemos a discussão sobre o motivo para reformas, ou a causa. Para uma reforma da previdência seria necessário, antes de mais nada, que se fizesse uma auditoria séria sobre o sistema e outra auditoria mais séria ainda sobre a dívida pública, que têm sido mantida dentro de uma caixa preta, mas citada como a causa da necessidade da reforma no sistema previdenciário.
Vamos fazer uma reforma trabalhista que determine o fim da CLT, acusada de ser antiquada? Tudo bem, podemos e devemos discutir, mas não sem iniciar a discussão pelo porquê de se querer mudar: pretende-se igualar a situação dos trabalhadores brasileiros à dos trabalhadores australianos ou à dos vietnamitas?
O argumento de que é necessário reduzir direitos trabalhistas para que as empresas possam crescer e empregar mais me parece muito parecido com o discurso de "fazer o bolo crescer para depois dividir", lançado à época da ditadura militar, que todos sabemos que interesses defendia.
Da forma como está, me parece que está se defendendo apenas os interesses dos grandes acumuladores de capital. Reformar para atender os interesses de quem?
É esta a pergunta que ainda não foi respondida, e me parece que apressar ao máximo a aprovação destas reformas é uma tentativa de evitar respondê-la.
Se é necessária a calma e o cuidado para reformas estruturais tão profundas, para que manter Temer? Ou mesmo fazer estas reformas dentro de um congresso ocupado por investigados, réus e condenados?
Augusto de Almeida é bon vivant.
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